O homem estava sentado no banco da praça. Quem o visse diria
que estava observando a paisagem. As crianças brincando ou comendo algodão
doce, uma senhora dando pão para os pombos, alguns casais apaixonados. Mas para
ele nada disso interessava mais. Tudo se tornou monótono e entediante. Nada mais
desperta sua admiração ou curiosidade. Seus olhos apenas fitam o horizonte sem
foco. Vazio. Era assim que ele se sentia.
Como se após tanto tempo de existência ele já tivesse absorvido tudo que
poderia. E agora estava sem propósito.
Todos que ele amava se foram. Cumpriram sua missão e
partiram. Seus ciclos se completaram. Apenas ele ficava para trás. Não sabia
dizer se isto era uma benção ou maldição. Mas havia se tornado um grande fardo.
Ele não conseguia entender o que aconteceu. Era como se a Morte simplesmente
tivesse se esquecido dele.
Não muito longe dali duas criaturas conversavam. Não
precisavam se preocupar em ser incomodados pelas pessoas da praça. As criaturas
eram invisíveis para os olhos mortais.
- Você não percebe o quanto isto é errado? O quanto vai
contra a ordem das coisas? Não vai consegui manter por muito tempo. Vão
perceber que algo está errado. Se é que já não perceberam.
- Mas por que me foi dado tamanho fardo? Por que tem que ser eu á cumprir tão triste missão?
- Não sei. Só sei que cada um tem missão. Uma contribuição para o
complexo funcionamento do cosmo.
- Pra você é fácil falar. Você é um Anjo da Guarda. Tem a
missão de cuidar das pessoas. As pessoas gostam de você e se sentem bem com sua
presença. Já á mim, um Anjo da Morte, foi me dada a terrível tarefa de por um
fim á existência deles. Por que não pude ter uma missão nobre como você? Eu me recuso á continuar fazendo este trabalho.
O Anjo da Guarda não disse nada. Ficou refletindo por um momento.
Então após algum tempo finalmente falou.
- Você não compreende mesmo. Não vê quão nobre é a sua missão.
Uma vez cumprida sua missão a alma anseia pela liberdade. Assim como a
borboleta ela precisa sair do casulo. Como uma semente lançada na terra ela
precisa romper sua casca para ver a luz do dia. Mas não é o fim. A vida
recomeça mas de maneira diferente.
- Mas aquela pessoa especifica deixa de existir. Aquela
existência desaparece.
- Se engana outra vez. Aquela pessoa continuará a existir em
fragmentos através das obras que criou e deixou para trás. Das pessoas que
conheceu. Das mudanças que causou. Ninguém passa despercebido e ninguém deixa de
existir definitivamente. O legado pode ser imortal. Assim a alma pode partir em
paz por ter cumprido sua missão. E aqueles que te temem ou não gostam de ti são
tolos que não entendem as funções mais básicas do universo. Sem um fim, não há
recomeço. E tudo fica estagnado. Olha só para ele. Vazio. Sem propósito. Sua alma anseia a liberdade.
Agora foi a vez do Anjo da Morte ficar pensativo. Se sentia
diferente. Como se tivesse tirado um grande peso das costas.
- Eu agora compreendo.
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O homem deitado em sua cama. Sentiu uma presença se
aproximar. Nem todos sente os Anjos da Morte chegarem, mas algumas pessoas
conseguem inclusive vê-los.
- Você. Veio me levar¿
- Sim.
- Eu estava te esperando.
O homem então sorriu. Sua missão estava cumprida um ciclo
finalmente fechou. Era hora de seguir em frente.
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